quinta-feira, novembro 18, 2010

Está cientificamente provado que:
Os homens são isto.
E as mulheres são aquilo.
O resto, é qualquer coisa do tipo.

segunda-feira, setembro 20, 2010

Violência doméstica














Coração que bate não mente.
Quem não dói não sente.
O amor musculado faz mossa
Mas eu prefiro fazer vista grossa...
Antes ferida que esquecida!

sexta-feira, abril 30, 2010

RESTOS NÃO SÃO UMA ALIMENTAÇÃO CORRECTA

ESTE É O MEU MANIFESTO PESSOAL DE AUTO-ANULAÇÃO EXISTENCIAL.
(MÃE, NÃO TE PREOCUPES QUE ISTO É TERAPIA)


Sou uma pastilha elástica na sola de um mocassim
Sou um verniz barato
Sou uma garrafa vazia
Sou um prémio de consolação
Sou uma estatística
Sou uma paixão de Verão
Sou um artigo de marca branca
Sou um perdido e achado
Sou uma metade
Sou uma desilusão
Sou um quarto minguante
Sou uma hipoteca
Sou abstenção
Sou uma devolução ao cliente
Sou uma cerveja sem gás
Sou um empate técnico
Sou uma gravidez psicológica
Sou um fora de jogo
Sou um bluff
Sou uma cesariana
Sou um lado B
Sou uma falsa partida
Sou um professor substituto
Sou um número Primo
Sou uma falha de rede
Sou um buraco na parede
Sou uma casa de banho mista
Sou uma meta conspiração
Sou uma carta anónima
Sou uma mulher-a-dias
Sou um dente do siso
Sou um palhaço pobre
Sou uma erva daninha
Sou uma ameaça de bomba
Sou uma notícia breve
Sou um atestado de pobreza
Sou um iogurte fora de prazo
Sou um livro de bolso
Sou um playback
Sou uma madrasta
Sou um carro alugado
Sou uma remistura
Sou uma imitação
Sou um pseudónimo
Sou um c sem cedilha
Sou um h mudo
Sou uma rua sem saída
Sou uma nota de rodapé
Sou um contra picado
Sou um recibo verde
Sou um mini-prato
Sou uma fotografia desfocada
Sou o negativo do positivo
Sou um suficiente menos
Sou as sobras do jantar de ontem
Sou as palmadinhas nas costas
Sou uma esmola
Sou o último classificado do Festival da Canção
Sou o pior episódio dos Simpson
Sou um sorriso amarelo
Sou um peido com molho
Sou um risco ao meio
Sou um mal entendido
Sou um capachinho
Sou um silêncio constrangedor
Sou uma meia de cada cor
Sou uma tecla preta
Sou uma camisola do avesso
Sou uma cama por fazer
Sou uma nódoa na gravata
Sou uma língua morta
Sou um governo provisório
Sou uma tara perdida
Sou uma figura de estilo
Sou uma actriz secundária
Sou uma noite mal dormida
Sou uma metástase
Sou um pêlo encravado
Sou uma carta extraviada
Sou uma guerra-fria
Sou um cão vadio
Sou um romance inacabado
Sou um ordenado mínimo
Sou uma bandeira a meia haste
Sou uma ejaculação precoce


Sou pessoa à pressa

Sou o fim-de-semana da Vida

segunda-feira, abril 12, 2010

o joão pestana está a dormir na minha cama
mas os meus olhos estão cansados demais para adormecer
vou comer çaibolas e chorar na almofada
até tu apareceres

quinta-feira, março 25, 2010

ÁH RI






















(por causa da 'Rua da Saudade')

ARI, ARI…

Disseste tudo o que havia para dizer.
Cansaste a luta
Rapaste o tacho à bruta
Gastaste a Liberdade que havia para viver.


ARI, ARI…

São os Santos do teu nome que se alimentam da Fé.
Esquecem-se de dar de comer à fome,
Vivem deitados e morrem de pé.


ARI, ARI …

Solta o poeta solteiro!
Homem em banho Maria…
Ataste a Vida ao fumeiro
E foste morrer num cinzeiro
Com as aparas da Democracia.

AH RI, ARI, AH RI…
Mas no fim, há sempre alguém que chora por ti.

quinta-feira, março 11, 2010

TENHO FRIO DE SER

Agora que o corpo cresceu mais que a cama
As meias aquecem as pontas da Vida
Mas sobra sempre a melhor parte de mim.

Plim!

segunda-feira, janeiro 04, 2010

SAÍDA DE EMERGÊNCIA










Estávamos no IPO para uma consulta de urgência, com o meu pai em morfina, sem dias nem horas contadas, fora do tempo e de si, num espaço que não é o nosso.
Uma senhora velha de rosto amarelo oferece-me uma mão gelada e apoia-se no meu calor enquanto espera por uma cadeira de rodas.
Agarrei-a pelo coração e foi tudo o que conseguir fazer por ela.
Ao fundo vejo uma saída de emergência. Iluminada. Tentadora.
Pensei, se sair por ali talvez tudo volte a ser como era.
Saí.
Lá fora estava a chover.
Cá dentro também.

quarta-feira, agosto 12, 2009

Memórias de um desempregado de sucesso


















Procurar trabalho é um dos trabalhos mais ingratos do mundo.
Que o diga Zé Manel, um dos mais prestigiados desempregados profissionais que Portugal já conheceu.
Cedo descobriu o talento para o desemprego e mesmo quando a família e o mundo lá fora o pressionavam para encontrar uma profissão, Zé Manel não vacilou, manteve-se fiel à sua vocação.
A sua admirável passividade perante um futuro incerto e sombrio não tardou a ser considerada um caso inédito de ‘desambição’ que lançou a euforia no seio da comunidade científica portuguesa e internacional.
Ao ganhar o prémio de Desempregado do Ano, atribuído pelo Presidente da República Aníbal Cavaco Silva, Zé Manel concretizou um sonho de menino. A verdade é que apesar de saber que tinha nascido para o desemprego, nunca imaginou chegar tão longe sem ir a lado nenhum.
Mas engana-se quem pensou que o mediatismo ia fazer de Zé Manel uma pessoa diferente. Igual a si mesmo, cumpria escrupulosamente a rotina diária que mantinha há 43 anos de desemprego qualificado: acordar às 7h da manhã, ir ao café da esquina tomar a bica e passar a pente fino os classificados de todos os jornais diários, dar um saltinho ao Centro de Emprego para chekar as ofertas de trabalho, fazer candidaturas espontâneas, explorar o ‘mercado’ de tráfico de influências, enfim, um 100 número de actividades em que se especializou e que o tornaram uma referência incontornável no campo da procura inglória de trabalho e um profissional do desemprego absolutamente brilhante.
Os anos passaram e à medida que o país gradualmente ultrapassava a crise do desemprego, o fenómeno ‘Zé Manel’ começou a arrefecer. Aos poucos os jornais nacionais substituíam as notícias sobre o mais famoso desempregado de Portugal por escândalos financeiros e crimes passionais no jet set.
Zé Manel viu-se assim esquecido e ultrapassado. Agora era apenas mais um caso arquivado na memória popular.
Sem clube de fãs nem reconhecimento público, resolve pôr termo à sua longa e faustosa carreira de desemprego.
Depois do álcool, das drogas e da mais fétida decadência, às 8h da manhã de um certo dia qualquer, Zé Manel apresenta-se ao serviço, pica o ponto e começa o seu primeiro dia de trabalho.

sexta-feira, julho 31, 2009

A euforia da ovulação



















Acordas com as cuecas molhadas, o teu corpo levanta-se primeiro que tu.
O reflexo no espelho da casa de banho pisca-te o olho e convida-te para sair.
Não estás mais velha nem mais nova mas a tua pele tem menos 10 anos que tu e o teu cheiro a Primavera já chegou aos narizes dos homens da vizinhança.
Tens as maçãs do rosto graciosamente rosadas, és Madona fértil, ambígua e desejada.
O teu sorriso tem mel e o teu cabelo é a estrela de um anúncio de champô.
Tens um brilho próprio que envergonha o sol e uma frescura que apetece provar.
Hoje és mais inteligente, culta e eloquente. Quando falas eles ouvem, quando entras eles seguram a porta, quando sais eles têm saudades.
Põe-te à vontade Maria porque hoje a humanidade só te quer bem.
Já te disseram que és a mulher mais bonita do mundo? Então prepara-te porque vão dizer.
Tens um segredo aí dentro que nem precisas de contar...

Cachopa, estás pronta para procriar!

quinta-feira, julho 23, 2009

segunda-feira, julho 06, 2009
















De tanto sangrar afoguei o homem da minha vida.
Hoje sangro sem dor, tenho uma fuga na alma.
E não me venham dizer que sou mulher
Se sou apenas ferida

terça-feira, junho 30, 2009

EPISÓDIO CARDÍACO



















O meu coração parou.
Não há poeta que o faça voltar a bater.
Pensava que ia doer
Pensava que ia chover
E que os cães iam uivar à meia-noite…


O meu coração parou.
O amor coalhou
Pouco ficou por contar
Sobraram as paredes do corpo
Oco
Vazio da alma que emigrou para outro lugar


O meu coração parou.
A vida já não mora aqui
O correio foi devolvido e a campainha deixou de tocar.
Fechem a porta à chave, apaguem a luz antes de sair
Porque a morte veio para ficar.


O meu coração parou.
Agora sigo em piloto automático
Sou breve e passageira
De um navio sem carga dramática


O meu coração parou.
Desistiu
O meu músculo preferido, desiludido, não insistiu
Viúvo da vida vestiu-se de luto
E pouco lutou para resistir.


O sangue deixou de circular
O sol deixou de visitar os cantos mais frios da casa
A chuva afinal choveu e molhou tudo o que havia para molhar.
Os domingos deixaram de chorar poesia
Esqueceu-se o fado
Adiou-se a euforia.


Hoje o meu coração parou
Mas há muito tempo que já não batia

quarta-feira, junho 24, 2009

. final

Pára tudo se faz favor. Pára, pára, pára, pára, pára… não respira!
STOP, ponto final parágrafo, game over, the end, morte assistida.

Parem de correr maratonas, parem de atravessar passadeiras, parem de mexer nos artigos expostos, parem de mastigar de boca aberta, parem de engolir sapos vivos, parem de poluir, esta Terra não é vossa! Parem de fazer horas extraordinárias, parem de mandar, parem de obedecer, parem de tirar fotocópias, parem de fazer a barba, parem de ter filhos, parem de estrelar ovos, parem de fazer camisolas quentinhas, parem de matar, parem de morrer de fome, cancro, guerra ou solidão, parem de fazer fila, parem de se queixar, pensam que isto é alguma democracia, não? Parem de construir, consumir, contribuir, sabe-se lá para quê, parem de dormir, parem de evoluir e parem de estar parados. Parem de tirar macacos do nariz, parem de perder tempo, parem de dar milho aos pombos, parem de rezar, parem de pedir esmolas, parem de ter mais olhos que barriga, parem de limpar o pó, parem de reciclar, parem de amar, parem de fazer das tripas coração, parem de perder calorias, parem de compor sinfonias, parem de escrever poesia, parem de rimar, parem de sonhar, parem de chorar sobre o leite derramado, parem de ir à tropa, parem de cortar as unhas dos pés, parem de guardar segredos, parem de ver televisão, parem de espreitar nas fechaduras e de ouvir atrás das portas, parem de fazer auto retratos, auto biografias, automóveis e autoclismos, parem de polir diamantes, parem de cuspir sangue, parem de brincar aos médicos, parem de coser meias, parem de ferver em pouca água, parem de desafinar, parem de desconfiar, parem de decorar a tabuada, parem de guardar memórias, parem de dar prioridade a quem vem pela direita, parem de tirar fotografias, parem de partir cabeças, pernas e corações … e parem imediatamente de ler isto.
Estão a ver? É por isso que eu gosto de vocês.






Amarras a vida à volta do pescoço
Engoles o nó que te aperta a garganta
Acendes mais um cigarro de desgosto
E fumas a morte à janela
Como um português suave que és


A beata descansa nos dedos mais bonitos da tua mão
Um beijo sem filtro
Uma passa que não passa
Faz fumo… faz amor… faz de conta…

Tu que tens fumo no pulmão
Terás fogo no coração?

segunda-feira, março 09, 2009

Rapaz procura rapariga no corredor dos congelados

Certo dia Zé Fiasco acordou com vontade de namorar.
Foi ao supermercado e a única coisa que o fez suspirar foi a prateleira dos produtos congelados.
Mas a rapariga da caixa deixou escapar um sorriso que lhe aqueceu o coração.
Seria brio profissional ou um convite subtil à reprodução?
O talão das compras registava um número roliço de 9 dígitos sensuais.
Depois das sete horas Zé Fiasco ligou para o número e ouviu a rejeição mais fria que algum homem pode receber:
- “Este número não está atribuído. Por favor tente outra rapariga.”

quarta-feira, março 04, 2009

DADaR-TE

dinner is ready-made
cause daddy is a Dada

terça-feira, março 03, 2009

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Amor... para quê?

Se a carne nos faz sofrer tão bem.

c’est fini la poésie…


As paredes do quarto púrpura transformaram-se em telas vivas, vestidas de pinturas impressionistas. Acordei ao som de uma melodia floral, encaixada num canto de um salão de chá vitoriano, com segredos escondidos debaixo das saias das donzelas.

O piano soltava notas com cheiro a alfazema, que esvoaçavam no ar como folhas secas do princípio da Primavera…

Os violinos ensinavam o caminho para o paraíso suicida. Era um cenário perfeito. A última fantasia de uma virgem aprendiz de feiticeira.

Aumentei o volume, e a orquestra estava ao meu comando. A música colou-se ao momento, fiz amor com o piano e casei-me com o maestro.

Puro incesto musical. Não faz mal, a banda sonora não tem memória visual.

terça-feira, janeiro 06, 2009

TU, EU E NÓS OS DOIS

Tu és o meu encaixe de alma
positivo do meu negativo
molde das minhas curvas
doce recheio do meu vazio.
O que me falta a mim sobra em ti.
E é isso que nos faz
deliciosamente imperfeitos.

quarta-feira, dezembro 24, 2008

CRESCE E DESAPARECE


Já aprendi a controlar os odores corporais
e os suores linfáticos da alma adolescente.
Hoje sou, orgulhosamente, uma espécie de vulgar cidadão.
Um exemplo digno e respeitado do utente social,
adaptado, acolchoado e comodamente enlatado
no síndroma crónico do pacote laboral.

Não me lembro bem quando é que parei de espernear,
quando é que deixei de cuspir na sopa da nação,
de vomitar as causas indigestas,
de chorar o tinto derramado
do Zé Povinho embriagado
pelo triste fado da solidão.

As revoluções são como as borbulhas.
Nascem discretamente, rebentam e depois desaparecem.
Umas deixam marcas outras não.

Brindemos aos filhos bastardos
que perderam a juventude antes do nascer do sol.
Brindemos à geraçao fora de prazo,
à pornografia infantil,
à democracia descartável.

A partir dos 18 anos o que podia mudar
fica exactamente na mesma.
O problema não és tu.
Não sou eu.
Não são eles.

Somos nós!
Jesus Cristo tem frio.
Jesus Cristo tem fome.
Jesus Cristo tem medo.

Aleluia!

terça-feira, novembro 25, 2008

LISBOA TRÁGICA


EM HOMENAGEM A ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO

Gosto de ficar assim sentada à beira do passado
a ver chorar as pedras da calçada
enquanto o fado dos dias escorre desgarrado
pelas pautas sujas das sarjetas lisboetas.

27 PARABÉNS PATRÍCIA DO JORGE

Pega-se em 27 Primaveras bem tenrinhas e junta-se-lhes
27 pores-do-sol à beira mar.
Escolhe-se os 27 corações mais maduros do quintal
descascam-se com cuidado e misturam-se a preceito com 27 histórias de encantar
27 pozinhos de perlimpimpim
27 borrifadelas de chuva de domingo
mais 27 suspiros de amor.


Depois unta-se a vida com 27 fragrâncias proibidas
forra-se com 27 canções de embalar
juntam-se 27 pic-nics sem formigas e
27 aristogatos ariscos
cada um com 27 vidas para gastar.


Deixa-se apurar 27 contos de fada
até caramelizarem em 27 finais felizes
... e foram 27 vezes felizes para sempre...
Depois junta-se-lhes 27 pancadas de moliére
mais 27 esmeraldas perdidas
e 27 birrrrrras traquinas...
irrrrrra irrrrra irrrrra irrrrrrra irrrrrrra irrrrra irrrrra irrrrrrra irrrrra irrrrrrra irrrrrra irrrrra irrrrrrraaa irrrrrra irrrrra irrrrrra irrrrrrra irrrrrrra irrrrrra irrrrra irrrrrrra irrrra irrrrrrra irrrrrra irrrrrrra irrrrrrra iiiiiiiiiiiirrrrra!!!

Agora que o caldo está rico botam-se 27 especiarias
e deixa-se descansar durante 27 minutos em banho maria.
Depois é só deixar actuar a magia...


Para acabar mexe-se tudo muito bem mexidinho com 27 colheres de pau
dando 27 voltas no caldeirão no sentido dos ponteiros do relógio.
Põe-se no forno a 27 graus positivos
espera-se pacientemente durante 27 anos bem vividos e...
Voilá! Sái uma deliciosa Patrícia pronta a servir!

sexta-feira, junho 27, 2008

AI SE EU FOSSE COMO O FERNANDO PESSOA


Se eu fosse como o Fernando Pessoa
não adormecia sem ser poesia.

Se eu fosse tão Pessoa quanto o Fernando era
dava tudo o que tenho em vez de ficar à espera.

Arriscava o rabo burguês
da minha acolchoada lucidez
na poça mais fétida da desgraça...

Ai, tudo em mim voa quando rima com Pessoa!

Mais que gente, sinónimo de amor ardente,
é uma costela aninhada na trincheira da memória.
(não sei se isto vale pela rima ou pela história...)

Se é Pessoa, a verdade soa.
Mesmo que doa e doa e doa.

quarta-feira, julho 11, 2007

Óh Maria não te Calles!

O melhor do álcool é o sabor da desgraça que escorrega docemente pela goela desidratada de amor.
Quando bebo quero engolir o mundo. E um dia hei-de de conseguir...
A bebedeira é uma banda sonora silenciosa, magestosa, auto didata.
É uma Maria Callas privada a sussurrar nas paisagens dos meus ouvidos.
Cada copo que bebo preenche-me alegremente mais um buraquinho vazio.
E deixo-me encher como um balão gigante que sobe solto até ao fim do céu.
O fim do mundo não está longe. Mas felizmente ainda há muito para beber até lá chegar.
Sirvam mais um copo a esta gente dormente!
Deixem entornar a vida... alguém há de limpar.

terça-feira, julho 10, 2007

Get the mother fucker who stole my soul!

Hoje sinto-me como um cú de babuino em dia de diarreia tropical.
Quero fugir daqui cedo, mesmo sabendo que cheguei tarde, e ir roubar umas 30 ou 40 mercearias, para ver se sinto o aperto do gatilho do medo na espinha dorsal.
Faz-me falta saber que, sempre que me apetecer, posso mergulhar no lodo fétido da sanita mais suja de Portugal.
Quando chegar a casa os meus cães encarregam-se de me lamber os pés cansados de chorar em silêncio no subsolo da multidão.
Os chinelos de borracha ordinária brasileira colam-se-me às solas suadas, pegajosas e mal cheirosas, que só um marido fiel não leva a mal.

Fazemos jantar em vez de amor, que para isso já está muito calor.

Depois caímos no sofá vermelho como peúgas velhas sem alma e adormecemos com o balanço suave da miséria que dá no telejornal.

quinta-feira, abril 12, 2007

Planet Curse



Not enough muscle to be a hero?
Join the miserable club of common people,
and turn frustration into fulfilment.
Don’t save the world, save yourself.
Love your weakness and learn to loose with pride.
Fear is our God, and we fear it without shame.
Join the riot!
Make your own mistake and laugh about it!
You have a big disappointment today. Don’t be late!

quinta-feira, janeiro 25, 2007

Ó CHEFE, ABRA ATRÁS!!


Quando viajamos de autocarro somos todos iguais.
Mercadoria anónima.
Gado empacotado.
Destinos passageiros com hora marcada.
As gentes vestem fatos desmaiados e máscaras especiais de combate suburbano.
É a lei do mais fraco que guia a multidão.
Respiração controlada.
Distancias milimetricamente calculadas.
Os corpos desidratados moldam-se com cuidado às arestas afiadas do ego-sistema envolvente.
A janela é sempre o lugar mais cobiçado.
A vista para o mundo tem um preço inflacionado que nem todos podem pagar.
O conforto dos bancos acolchoados pelo suor e pela gordura dos contribuintes, não chega para todos. Mas como dizia a ilustre portuguesa “As árvores morrem de pé!”…
No autocarro público deixamos de ser eu para sermos nós. Nós todos, todos juntos, muito juntos, juntos demais…
Partilha-se a pobreza, a riqueza, a saúde, a doença... Tudo é património social.
Sabem como é tropeçar por acidente num velho amarrotado pelo tempo? Ou contar os botões de um casaco robusto que aquece outro corpo qualquer? Ou pisar um pé que não me dói? Ou ouvir os pensamentos suados de alguém? Ou vestir a alma remendada de um vagabundo moribundo?
Cada viagem é uma história ilustrada. Mas faz de conta que sou eu que escrevo. Com a minha memória pontual, todos os dias à mesma hora lá estou eu para inventar tudo outra vez.

segunda-feira, junho 12, 2006

FIZ UM RASCUNHO DA VIDA E DEPOIS LI EM VOZ ALTA NA QUARTA CLASSE. DESDE AÍ, NÃO APRENDI NADA.


CADERNO LIMPINHO;
COMPROMETE A ESTATÍSTICA DO ESSÊNCIAL;
DÁ VOLTAS E VOLTAS;
SEMPRE A MAGICAR;
MÁQUINA RESGISTADORA DO PENSAMENTO;
2 + 2 = SENSAÇÃO;
SUBTRAIR DA VIDA, SÓ O IMAGINÁRIO DO AUSENTE;
COMIGO NÃO! COMIGO NÃO!;
EXPERIMENTA – FAZ – CONSTRÓI;
EJACULA A SEMENTE DA CRIAÇÃO;
BEBE DA FONTE E PERNAS PARA IMAGINAR;
OS OLHOS, AS MÃOS, OS OUVIDOS;
# CONSTRÓI!; CONSTRÓI!#;
A BOCA E O CÉU DA MENINA TRAQUINA;
O NARIZ, QUE É A LIGAÇÃO DIRECTA À TERRA;
O VAPOR DOS NÚMEROS;
O RASTO DO RISCO QUE ESTABELECE ALGUM LIMITE
PARA OS PORCOS EVASORES DE COMICHÃO PROFISSIONAL;
EU CÁ TRABALHO SENTADA;
E SEMPRE QUE ESTOU TRISTE;
ATO AS MÃOS À CABEÇA E COSO OS BRAÇOS À BARRIGA
COM UMA LINHA DE $ETIM;
E DEPOIS LÁ VOU EU DE CHAROLA PARA O HOSPITAL DOS BONECOS,
PARA ME MUDAREM A ÁGUA AOS OLHOS E ARRANJAREM A CABEÇA;
QUE JÁ PENDE PARA O LADO, TAL É O PESO DA ADMIRAÇÃO;
MAS CONSTRÓI! POR CIMA DO CONSTRUÍDO;
E NÃO PENSES QUE O QUE ESTÁ FEITO
É MELHOR DO QUE O QUE SE VAI FAZER;;;
ANULA;
CONSIDERA;
DEIXA O CORPO PARTIR PARA A GESTAÇÃO EMBRIONÁRIA;
QUE DÁ FORMA;
QUE ATRIBUI TAREFAS AO PENSAMENTO;
A TAL QUE DÁ O NOME AO FUTURO E AO PROVÁVEL.
O ERRO EXISTE SEMPRE;
O MEDO EXISTE SEMPRE;
E O DESEJO?
HUM???

LÁ VÃO OS TRÊS HOMENZINHOS DE CARTOLA;
QUE PASSEIAM OS SEUS CAEZINHOS DE ELITE;
CANICHES DE PELO PERMANENTADO; GOSTO DE LHES SORRIR ;)
GOSTO DE SORRIR QUANDO DOI…
GOSTO DE DAR VOLTAS E VOLTAS QUANDO O CAMINHO É DIREITO E PARALELO;
GOSTO DE ABUSAR DO PEQUENO;
ESTICAR O MAIOR;
ESTICAR ATÉ PARTIR;
E QUANDO A IMAGEM NÃO SERVE O PENSAMENTO;
HÁ QUE SUBSTITUIR O NEURÓNEO PELO MESTRE ALICERCE DA AVENTURA;
AGORA É A VEZ DOS GNOMoS TRANSFORMADORES DA VERDADE; ESTES;
APLICAM O SONHO COMO QUEM DEVORA UM BATATA FRITA;

INVENTAM-ME.
E DEPOIS ESQUECEM-SE DA RECEITA.

sexta-feira, junho 09, 2006

U M C O N T O “E M P O N T O”



Finalmente o autocarro chegou!... Vem apinhado de gente.
Entrei, mas não consegui ir além do condutor.
Fiquei ao lado dele, deixei-me admirar e permiti-me sonhar com todos aqueles botões e mostradores cheios de números, daquele rico tablier.
Os autocarros públicos têm botões para tudo, e luzes que avisam os botões sobre o estado de espírito do velho motor. É um ecossistema falível, mas deliciosamente perfeito...
À medida que os meus olhos desenhavam esta viagem pelo tablier do autocarro, fui reparando e retendo uma constante que marcava com persistência o percurso do meu olhar.
- “Sai às 5h”.
Esta frase repetia-se e espalhava-se atrevidamente por todo o tablier, ora acompanhando com graça as formas redondas dos botões (isto faz-me lembrar as orelhas eternamente mal desenhadas da macaca de jogar no chão... “meninas... não vale cu de velha!...); ora enchendo um qualquer espaço vazio no meio daquele enrendilhado eléctrico, um autêntico croché de circuitos vivos... ainda dizem que os homens não são prendados...
Repetiam-se sempre as mesmas palavras sem descanso, na paisagem do tablier.
Da planície negra e fria gritavam frenéticas as letras desenhadas a branco, que pareciam agora impor uma verdade, como que uma máxima filosófica de uma qualquer organização secreta, infiltrada, subliminar, obscura, poderosa, vigorosa, secreta, mítica, secreta…
O transito circulava lento, e antes de ter reparado já estávamos cercados de carros e carretes cheios de vontade de chegar… onde? Para quê?... Chegar chega, apenas.
Estamos no meio da bicha, e devagarinho lá vamos percorrendo mais 100 metros, menos 100 metros para o fim.
PARÁMOS!!!?!
… De repente o Sr. Condutor pára impiedosamente o autocarro, sem pensar na estrada, nas pessoas que esperam pessoas em casa ou nos carros do caminho.
O Sr. que se chamava condutor aguardou um momento, sereno e confiante. Entretanto já se tinha formado atrás de nós uma bicha maior do que aquela que nos esperava à frente. Já estávamos sem dúvida a empatar…
Ainda com a mesma frase pintada na memória a latejar-me na ideia já confusa, e num acto de puro impulso inconsequente, vejo sair-me da boca num vómito compulsivo, insolente e quase provocador, a pergunta:
- “Sai às 5h?...”
Com isto, o homem levanta-se e sai violentamente do autocarro, abandonando tudo e todos com a incógnita surpreendente de tão inesperada acção.
No meio do silêncio que se vestiu e da pergunta, olhei sorrateiramente para o relógio…
Marcava precisamente 5 horas. Em ponto!






Plim!

quinta-feira, maio 25, 2006

*










tens um carimbo de dor
que marcas todas as manhãs no lado esquerdo do teu ombro
que fala,e assobias cantarolês a música do sono que te embala.
A birra faz a vontade aos mais teimosos. IRRA!!

Quem é senhor dita-dor
tem no coração um código de rE.morse.

terça-feira, maio 02, 2006

BUROCRACIA CRISTÃ








90% de angústia e uns pozinhos de alegria.
5 minutos em banho maria, ai josé em agonia…
Jesus foi um parto difícil, diz a bíblia.
A coroa de espinhos fez sangrar a profecia,
e que bem que sabia…

Mas porque é que não foram rosas senhores?...


U M A V E L H A H I S T Ó R I A

Uma velha senhora acorda de uma siesta profunda num banco de jardim primavera, numa tarde solarenga e… não sabe quem é. Reconhece o mundo à sua volta e o sol que lhe aquece as pernas como se fosse da família, mas não se lembra de si.
Vê os gatos que se enrolam debaixo dos carros e sabe que gosta deles, mas não se lembra porquê.
Vê as pessoas que passam no jardim, a vida que se vive continua a mexer tal e qual como sempre foi.
Os miúdos continuam a esfolar os joelhos no chão, a relva continua a crescer, os cães continuam a mijar no passeio, as folhas a cair devagar e o vento a soprar levezinho…
A velha senhora sabe que é gente e sente que é uma personagem desta história, mas esqueceu-se subitamente do seu papel.
Sem guião à vista nem argumento sólido para explicar este estranho vazio de memória, vê-se perdida dentro de um corpo velho e ferrugento, que não sabe de onde veio nem para onde vai. (Sabe que é pessoa, faz sombra e se tombar demais cai!…)
Assim, deixa-se ficar quieta enquanto a dúvida lhe engole convulsivamente o pensamento, como se fosse um comprimido para as dores.
Tenta, com a força que lhe resta dos músculos secos de mulher velha, segurar o pânico a braços e distrair o desespero, entregando os ouvidos à suave melodia dos pardais atarefados.
A manobra é bonita, mas não chega. Então, serra os dentes e decide contar a história que entretanto já se tinha desenhado, desde que se lembra de acordar sem memória, na esperança de que o seu breve passado pudesse adivinhar um futuro qualquer.
Surpresa foi constatar que por ser velha, solitária, mal parecida ou ordinária, ninguém acudiu ao seu pedido de conversa vulgar. Não houve alma que atendesse à sua discreta proposta de diálogo simples. As palavras da velha senhora desvaneciam no olhar duro das pessoas que passavam no jardim sem resposta nem reacção, como gotas pesadas de uma chuva cansada. Eles eram como muros feitos de betão denso e frio, impenetrável, impermeável à simpatia e ao amor, eram adeptos aficionados da solidão, mestres da arte humana destes tempos – a dieta do egoísmo, que nos separa a cabeça do coração.
Disse um pardal que assistiu sem piar a este episódio, serenamente, do alto do seu firme galho. Que a velha era senhora respeitável, de bom trato, com aroma agradável e bem conservada em boas intenções, aspecto afável e confortável.
O problema não morava aqui…
Pobre velha chegou ao fim dos seus dias sentada num banco de jardim primavera sem ninguém lhe dizer que tinha chegado a sua hora.
A senhora sem passado e sem memória, era afinal, uma defunta cuja história ficou esquecida na suave dormência de um sono profundo sem dor.
A velha senhora ali permaneceu imóvel no banco de jardim. Tinha uma postura tão digna e uma pele tão fresca alfazema, que ninguém percebeu que já estava morta.
Anoiteceu e amanheceu no jardim e a vida continuou a mexer como se nada fosse.

sexta-feira, abril 07, 2006

O A B C D A B I C H A R A D A

A regra dos 3 nem sempre é simples,
só serve para enrolarmos a língua nos dentes.
Em caso de combustão, não se esqueça:
- o cliente tem sempre razão!
Trinca a espinha e engole a pastilha.
Corre com o pé de atleta
e põe o coxo a andar de bicicleta.
Eu sei que é chato perder o comboio num segundo forreta,
mas logo a seguir vem outro ainda melhor…
Há males que vêm de elevador
e corações partidos que tropeçam nas muletas.
A vida enjoa logo à primeira semana.
Será menino ou menina?
Fruta ou chocolate?
O amor de látex é a farda do engate.
Uma mulher nua é sempre motivo de festa!
Como um peido social. É chique, espirituoso, mas cheira mal.
Quem tem cú, tem comichão.
Quem tem medo do comunismo, coça com a mão,
e de manhã bebe bagaço para empurrar a solidão.

segunda-feira, março 27, 2006

7 BOCADOS MORTAIS
















Sapatinhos cristãos
engraxados pela fé de domingo.
Sonham1 com pezinhos de algodão,
fogem soltos das velhas loucas do bingo2.
Com salto de agulha em ponta-e-mola3
fazem picotado no passeio de papel.
Puxam brilho ao verniz
e esquecem-se da sola
que, roída pela inveja4 do caminho,
deixa espreitar a vergonha5,
vestida de meia branca de puro linho.
O povo de deus6 bebe o sangue
E come o corpo.
É este amor canibal
que nos mata7 devagarinho.


quinta-feira, fevereiro 23, 2006

ÓH!

- óh! tu de chapelinho!...
Curas-me o sonho, se fazes favor?

- Com quê? Se nem lápis de cor tenho...

- Dás-me uma dor ou então um safanão.

Diz então o homem de facto e gravata, nem chapéu, nem coisa nenhuma:

- Olha menina, se queres cair, o melhor é levantares-te do chão.

PIM!

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

CÓDIGO DE MÁGOAS

Condutor
catalizador
veículo – Homem – gente
via canal anónimo – ruído sujo – intermitente
mais surdo que o pensamento.
É imperativo consumí-lo
obrigatório esquecer.
Esta leve comichão
dá ares de ser sem acontecer...
Descubra você as diferenças
entre o macaco e o vulgar cidadão.
Será a melodia dos movimentos
ou o pecado lógico de Adão?
- Quem tem medo compra um carrinho de rolamentos! –
A felicidade dos crescidos
está estampada no para-choques
de um camião, fora de mão.
Esse deus amado
não guardou piedade
para o boneco pálido desajeitado.
A regra de ouro é obedecer carneirinho,
ser um número fiel – humano consagrado,
com tributo, medalha e migalha de pão.
A história do homem sem alma
vende mais que a do bicho Papão.

segunda-feira, fevereiro 13, 2006

20 p o n t o s :::::::::::

Miguel Seixas :: artista plástico / ilustra-dor

O meu trabalho é um prolongamento dos meus sentidos.
É a sombra difusa da minha visão do mundo.
A marca de água que os dias fazem questão em imprimir na minha memória permeável ao fluir do tempo.
Tento não adormecer perante o embalo natural das paisagens. Gosto de dar forma e espaço à minha vontade inata de transformar, experimentar, moldar, torcer, desafiar.
As minhas ferramentas são o suor da humanidade, o que dela transpira eu aproveito, e faço deste código de experiências a minha linguagem e a minha liberdade.
Recorto pedaços de vida, pinto, risco e arrisco o meu pescoço quando misturo a verdade com a ilusão. Por vezes penso se a minha vida não será apenas uma ilustração...

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As gravatas mortas não derramam tanto sangue como o lamento vermelho das minhas cuecas sujas.

sexta-feira, fevereiro 10, 2006

NACOS DE DOR À ALENTEJANA
























De joelhos rendidos no chão mastigado pelos cascos duros da gente do campo, recolhe cuidadosamente as aparas de mais um dia esculpido com a dor e o suor.
As arestas afiadas do caminho engrossam-lhe as mãos calejadas e ceifam-lhe as esperanças maduras, já quase secas pelo sol cansado de domingo.
A aldeia sabe que a pobreza que lhe veste a alma é maior que a que lhe despe o corpo.
Quando o vêm passar ao longe, de braço dado com a sua própria sombra, temem que a sua verdade negra revele os medos mais bem escondidos da aldeia.
José Calvário é homem de curtas palavras e cara fechada aos olhares alheios.
Casado com a solidão, fiel amante da terra, entrega os seus dias ao nobre ofício da tortura do tempo, que teima em passar devagar.
O corpo de José flutua discretamente pelas planícies cultivadas pela força da fome e da luta pela vida, mas o seu humilde pensamento ibernou algures, no silêncio insurdecedor de um casulo húmido feito de memórias gastas.
Já ninguém se lembra ao certo quando foi, mas um dia, José deixou de ser homem para ser fruto, semente, pedra ou apenas horizonte...
Dizem, os mais soltos de miolos, que embalsamou o próprio coração, com a palha seca da terra que o amassou, depois que viu o seu amor partir. E que guarda religiosamente os bocados mortais da sua amada Amélia das Dores.
A mulher foi vítima insólita de um tiro certeiro, caído certa noite do céu Alentejano, enfurecido por uma trovoada caprichosa com boa pontaria. Tanto campo para queimar e o raio da tempestade revoltosa, como nunca se havera visto, foi atingir em cheio o alto da cabeça sonhadora de Amélia, descendo-lhe vulcanicamente até aos seus pés de menina casadoira, numa viagem vertiginosa de toneladas de energia bruta, que devoraram alarvemente os tecidos frágeis desta mulher singela do campo. E eis que se não bastasse tal estranhesa, num golpe seco de maldade e magia, ainda a transformou em árvore, de tronco bem firme na terra como se sempre ali estivesse plantada.
José Calvário perdeu a juventude, a fome e a vontade de ser gente.
Chorou convulsamente aos pés da bela árvore, que cheirava ainda à presença da sua mulher amada. Foram dias e dias de lágrimas derramadas que deram de beber à terra seca e esquecida.
Perante tão divina oferta, as raízes não fizeram cerimónia e sorveram sofregamente o líquido precioso, como se fossem crias esfomeadas à procura da primeira refeição do dia.
Foi preciso Amélia morrer, para a vida ali acontecer outravez. (continua noutra geração)

DIÁRIO DE UMA ESTÚPIDA

O meu disco rígido está a perder qualidades.
De há uma semana para cá reparo que estou um bocadinho mais estúpida. De raciocínio mais lento e com falta de perspicácia no descortinar de situações relativamente simples. Enquanto os que me rodeiam têm uma percepção quase imediata de um cenário qualquer, eu demoro quase sempre uns segundos a mais para conseguir ter a mesma leitura, isto quando ninguém se lembra de desvendar a mensagem antes de eu a conseguir assimilar em condições. O que me torna ainda mais estúpida, porque não chego a concluir o meu raciocínio, adicionando mais um quê de frustração e incompetência mental à minha máquina pensadora, por não ter sido capaz de chegar ao ponto de interesse como toda a gente.
Depois de um episódio destes suceder, a minha frágil e definhada cabecinha entra numa espiral sem freio em direcção ao vazio. Entretanto fica uma pergunta a latejar-me nas fontes empobrecidas: Será que é a malta que está a ficar mais esperta e espevitada, ou sou mesmo eu que estou a ficar mais estúpida estúpida estúpida estúpida estúpida estúpida?...
É esta a dolorosa realidade que me tem estado a consumir a auto-estima, a devorar o que resta da minha dignidade humana, a sorver alarvemente as minhas últimas migalhas de amor próprio. Hoje sou um trapo azedo e bulorento com o nome bordado em ponto da cruz que carrego. Não sou mais que um farrapo de carne podre e nauseabundica que ninguém quer provar. Sou vítima chorosa da minha própria estupidez, e isso doi muito.
Por isso decidi sacudir energicamente a cabeça e levantar os braços contra o pesado rumo desta tragédia. Tenho que contrariar esta maré negra custe o que custar. Vou auto impor-me uma nova organização dos dias e das ideias. Mais actualizada e regenerada. Há que desfragmentar o disco e olear a máquina. Só assim é que tomarei de vez as rédeas da lógica torcida deste meu destino.
E para começar vou já aprender a ler.