sexta-feira, junho 09, 2006

U M C O N T O “E M P O N T O”



Finalmente o autocarro chegou!... Vem apinhado de gente.
Entrei, mas não consegui ir além do condutor.
Fiquei ao lado dele, deixei-me admirar e permiti-me sonhar com todos aqueles botões e mostradores cheios de números, daquele rico tablier.
Os autocarros públicos têm botões para tudo, e luzes que avisam os botões sobre o estado de espírito do velho motor. É um ecossistema falível, mas deliciosamente perfeito...
À medida que os meus olhos desenhavam esta viagem pelo tablier do autocarro, fui reparando e retendo uma constante que marcava com persistência o percurso do meu olhar.
- “Sai às 5h”.
Esta frase repetia-se e espalhava-se atrevidamente por todo o tablier, ora acompanhando com graça as formas redondas dos botões (isto faz-me lembrar as orelhas eternamente mal desenhadas da macaca de jogar no chão... “meninas... não vale cu de velha!...); ora enchendo um qualquer espaço vazio no meio daquele enrendilhado eléctrico, um autêntico croché de circuitos vivos... ainda dizem que os homens não são prendados...
Repetiam-se sempre as mesmas palavras sem descanso, na paisagem do tablier.
Da planície negra e fria gritavam frenéticas as letras desenhadas a branco, que pareciam agora impor uma verdade, como que uma máxima filosófica de uma qualquer organização secreta, infiltrada, subliminar, obscura, poderosa, vigorosa, secreta, mítica, secreta…
O transito circulava lento, e antes de ter reparado já estávamos cercados de carros e carretes cheios de vontade de chegar… onde? Para quê?... Chegar chega, apenas.
Estamos no meio da bicha, e devagarinho lá vamos percorrendo mais 100 metros, menos 100 metros para o fim.
PARÁMOS!!!?!
… De repente o Sr. Condutor pára impiedosamente o autocarro, sem pensar na estrada, nas pessoas que esperam pessoas em casa ou nos carros do caminho.
O Sr. que se chamava condutor aguardou um momento, sereno e confiante. Entretanto já se tinha formado atrás de nós uma bicha maior do que aquela que nos esperava à frente. Já estávamos sem dúvida a empatar…
Ainda com a mesma frase pintada na memória a latejar-me na ideia já confusa, e num acto de puro impulso inconsequente, vejo sair-me da boca num vómito compulsivo, insolente e quase provocador, a pergunta:
- “Sai às 5h?...”
Com isto, o homem levanta-se e sai violentamente do autocarro, abandonando tudo e todos com a incógnita surpreendente de tão inesperada acção.
No meio do silêncio que se vestiu e da pergunta, olhei sorrateiramente para o relógio…
Marcava precisamente 5 horas. Em ponto!






Plim!

1 comentário:

António Maia disse...
Este comentário foi removido pelo autor.